Corrida de São Silvestre Usando a Corrente Crítica – post #8

Conclusões e Lições Aprendidas

Enfim, para encerrar a documentação do projeto, vamos às conclusões e às lições aprendidas.

Em primeiro lugar, quero voltar ao ponto da comparação entre a corrida, objetivando cruzar a fita de chegada no menor tempo possível, e o projeto, objetivando a elaboração progressiva de um produto, serviço ou resultado, de modo viável. Obviamente, os trechos de um percurso de corrida estão sujeitos a muito menos complexidades e interferências do que as atividades de trabalho de um projeto de obra, por exemplo. Entretanto, parece-me claro que a modelagem dos tempos da seqüência de trechos de uma corrida, se assemelha muito à modelagem dos tempos de uma seqüência de atividades de trabalho de um projeto num diagrama de Gantt. A representação de ambos através de um cronograma composto por atividades interligadas e a possibilidade de evidenciação de um Caminho Crítico (que, no caso da corrida, é único e corresponde à Corrente Crítica) permite-nos conjecturar sobre o compartilhamento de modelos de gestão de tempos comuns entre as duas situações, ainda que mantidas as ressalvas naturais de estarmos lidando com experiências bastante diversas.

Há que se considerar ainda a máxima de que “qualquer projeto que valha a pena ser realizado, deveria ser realizado o quanto antes (dentro de parâmetros que mantenham viável)”. Ou seja, tanto quanto na corrida, para a maior parte dos projetos, valeria a pena antecipar sua entrega e contabilizar maiores ganhos.

Daí surgiu a idéia de adaptar o uso do Método da Corrente Crítica, bastante conhecido no ambiente de projetos (apesar de ser pouco aplicado, acumular insucessos e ser muito questionado) à seqüência de trechos do percurso de uma corrida, em condições comparáveis às de um projeto normal – os resultados obtidos pela aplicação do método na corrida poderiam ser usados para analisar e avaliar o uso e a adequação do método aos projetos em geral, servindo de argumento para aprendizes e descrentes de sua eficácia. Entretanto, tenho total ciência de que a comparação é meramente ilustrativa e didática, mas estou convicto de que os aprendizados dela extraídos servem perfeitamente como pontos de consideração para o ambiente dos projetos.

A escolha da corrida de São Silvestre foi propícia. A menos do pelotão de elite, a corrida é uma festa para o público em geral. Tentar correr seriamente, perseguindo tempos em cada trecho, num ‘mar de gente’ comum (aproximadamente 25 mil pessoas), tirando fotos, interagindo com o público nas laterais das ruas e avenidas, fantasiados e fazendo performances, levando cachorros, brincando e se divertindo em grupos, não é uma tarefa fácil por mais que se esteja motivado para isso! Na estimativa dos tempos, eu não levei em consideração essa dificuldade. Nunca corri a São Silvestre e não sabia que seria tão difícil assim tentar correr se desviando e procurando passagens entre milhares de pessoas. Acho que essa característica deu mais realismo à comparação com os projetos, afinal, por melhor que eu estivesse preparado, não conseguiria correr mais rápido do que eu corri em diversos afunilamentos de ruas, por motivos que fugiam ao meu controle – interferências naturais não cogitadas em meu planejamento (Unknown Unknowns). Assim, fui obrigado a me superar nos momentos em que tive visibilidade e pista limpa à frente.

Por melhor que tenha sido o resultado, nem tudo deu certo no meu plano, mas eu tive a certeza de que foi bem elaborado e a análise de riscos realizada me ajudou imensamente. Diferentemente do planejamento de um projeto típico, dediquei-me intensamente ao planejamento da corrida. Conversei com especialistas, dediquei-me aos treinos, simulei os procedimentos de controle e o acompanhamento do ‘war room’.

O grande problema havido foi com o GPS ‘online’ que não funcionou. Por alguma razão, provavelmente pelo excesso de conexões naquele momento, o aplicativo RunKeeper que eu uso no Iphone não disponibilizou minha corrida ‘online’. Foi providencial que, como resposta à nossa análise de riscos, o controle primário da corrida tivesse sido alterado nos últimos dias de planejamento. No lugar de fazer o apontamento do meu posicionamento físico pelo GPS ‘online’, decidimos fazê-lo através de meu comando por voz (telefone celular aberto), anunciando a minha chegada aos marcos de término de cada trecho. Já havíamos testado e verificado algum ‘delay’ na atualização do GPS, por isso o aparato foi rebaixado à categoria de ‘interessante’ mas não ‘imprescindível’. Pena para os amigos que estavam acompanhando pelo Twitter a minha prova, pois poderiam ter tido uma noção mais real do meu avanço físico, diante do consumo do pulmão de tempo que estava sendo divulgado pelo ‘war room’. Dias depois o meu percurso foi disponibilizado no site do RunKeeper no endereço http://rnkpr.com/adgn1p caso alguém queira revisitar o experimento.

Como aprendizado para a gestão de projetos enfatizo a disponibilização da informação de avanço do projeto de modo preciso e imediato. Fez muita diferença dispor da informação do meu desempenho passado e das tendências futuras ao final de cada trecho. No final do post # 7 enfatizei esse ponto como uma das fortalezas do uso do controle por CCPM.

Outro risco que havia sido providencialmente analisado e que ocorreu efetivamente foi a queda da ligação telefônica aproximadamente após 1 hora e 20 minutos. Eu já estava quase na Avenida Paulista, chegando ao final da prova quando a ligação caiu. Conforme havia sido combinado, diminuí o meu ritmo, num momento de intensa adrenalina, e refiz a ligação de modo que o ‘war room’ pudesse registrar meu tempo de chegada. Perdi alguns segundos, mas eu já sabia antecipadamente o que fazer diante da ocorrência do problema.

Tudo o mais deu certo no meu projeto! Inclusive aquilo que não dependia de mim. O tempo estava maravilhosamente nublado e úmido, eu estava bem e o procedimento de comunicação e controle combinado foi eficientemente aplicado entre eu e o ‘war room’. Pudera, foram semanas de preparação física e mental, foram horas de planejamento e testes. Será que isso lhes remete a alguma lição aprendida sobre o valor de um planejamento bem feito? Será que o Método da Corrente Crítica foi o responsável por isso, ou simplesmente induziu a realização de um plano que se mostrou adequado?

Um aprendizado interessante me acometeu depois da prova e, inclusive, foi motivo de alguns posts meus no Twitter nesse início de ano. Durante a corrida eu tive a sensação de estar totalmente imerso e concentrado na execução da corrida, sem distrações ou interferências. Isso me chamou muito a atenção, pois eu me abstraí da noção de tempo e lugar. Minha mente estava claramente desembaraçada nos meandros de um desafio estimulante. Eu quase não sentia o que estava fazendo, apesar a multiplicidade de trabalhos diferentes que se acumulavam. Além de correr, eu estive constantemente em comunicação com o ‘war room’, passando dados e recebendo informações que eram analisadas em tempo real e transformadas em comandos para o meu corpo. Sem contar as respostas ‘online’ às perguntas que eram feitas pelo Twitter e que eu respondia enquanto corria através do ‘war room’. Um estado de imersão integral e prazerosa no meu trabalho.

Numa conversa posterior com alguns amigos, fui introduzido ao ramo da Psicologia chamada Psicologia Positiva e à idéia de Fluxo, defendida por um autor chamado Mihaly Csikszentmihaly. O fluxo, ou as experiências de fluxo, são caracterizadas como a sensação de “ação automática ou ação sem esforço”. O fluxo tende a ocorrer quando as habilidades de uma pessoa estão totalmente envolvidas na superação um desafio que está no limiar de sua capacidade de controle. Experiências ótimas que geralmente envolvem um fino equilíbrio entre a capacidade do indivíduo de agir e as oportunidades disponíveis para a ação.

Certamente minha sensação durante a corrida pode ser traduzida como uma experiência de fluxo. E certamente essa experiência, se pudesse contagiar e contaminar uma equipe de projeto transformaria qualquer desempenho pífio num desempenho extraordinário. A questão que emerge é a seguinte: “como foi que cheguei a essa experiência de fluxo?”, “que catalisador a despertou?”, “esse catalisador poderia ser ampliado de modo a possibilitar uma experiência coletiva de fluxo numa equipe de projeto?”. Bem, trata-se de uma nova linha de pesquisa, certamente promissora e que repassarei para meus alunos de pós graduação.

Em suma, após experimentar algumas situações frustradas e tentativas reais de uso do Método da Corrente Crítica em projetos de engenharia e obras, esta foi a minha primeira experiência efetiva de uso do método. Quão pouco, dirão! Entretanto, para um consultor estudioso que vem tentando há anos validar sua percepção de que o método em si, pode realmente implicar num avanço na questão de desempenho de prazo de projetos, me faltava a vivência de uma experiência real e que chegasse ao fim, possibilitando análise e validação. Considerando a falta de comprometimento e perseverança dos administradores empresariais com quem pude interagir nas tentativas frustradas anteriores, eu não podia me dar ao luxo de errar desta vez, assim, a experiência teria que envolver um projeto meu – “espeto de ferro em casa de ferreiro”, segundo o ditado popular.

Concluindo, após vivenciar essa experiência, por mais ilustrativa que possa parecer em detrimento da realidade, reforço a minha percepção do potencial do uso do Método da Corrente Crítica na melhoria drástica dos rumos de desempenho que vimos acontecendo nos projeto de engenharia e obras atualmente no país. Não simplesmente pela construção de um novo cronograma pautado em tecnicalidades e motivação estatística, pouco acessível conceitualmente à maioria, mas sim, pela introdução de um modelo de gestão que torna claro, preciso e simples, o posicionamento de desempenho do projeto a qualquer momento de sua execução, induzindo a motivação necessária para a tomada de ações corretivas. Esse foi o auge de minha experiência com a aplicação do Método da Corrente Crítica na minha corrida.

Por último, precisamos voltar a nos concentrar na gestão da eficiência dos projetos de engenharia e obras e não basear nossos resultados unicamente na gestão de pleitos contratuais. Sem querer minimizar seu papel na equipe de um projeto, eu tenho me questionado: “até quando os Advogados terão um papel prioritário na gestão dos projetos em detrimentos dos Engenheiros?”

Agradeço a sua atenção no acompanhamento desse projeto.

Um abraço,

Alonso Mazini Soler, PMP – Profissional de Projetos, Professor de MBAs e Autor de livros de Gerenciamento de Projetos

2 comentários

  1. Alonso Mazini, parabéns!
    Sou estudando de Pós-graduação (Gestão de Projetos), e lí todos os posts, aproveitando que estou produzindo um artigo sobre Corrente Crítica. Clareou diversos conceitos e ajudou bastante na elaboração.
    Obrigado por compartilhar!

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