TENDÊNCIAS EM GERENCIAMENTO DE PROJETOS PÓS PANDEMIA

Adoro ler tudo o que consigo sobre tendências. Ainda mais em tempos que antecipam o retorno da vida pós pandemia e em que sobram “profetas” vendendo as suas verdades pessoais, repletas de subjetividade. Saber lidar e tentar prever o futuro é uma vontade antropológica do ser humano, entretanto, trata-se de uma atividade complexa pois, por mais que se conheça o fenômeno alvo da previsão, não há quem seja capaz de oferecer exatidão prévia às suas elucubrações hipotéticas.

Apesar disso e movido pela experiência de quem trabalha com modelos estatísticos de previsão, resolvi oferecer alguma luz à discussão sobre as possibilidades de mudanças da área de Gerenciamento de Projetos pós pandemia. Mas quero fazer de modo diferente, oferecendo cenários mais abrangentes à alguns poucos temas e apostando que a verdade sobre o futuro tende a oscilar próximo deles. Desse modo vou evitar fazer afirmações precisas e cair no lugar comum de ter que, no futuro, reconhecer as fragilidades de meus julgamentos.

O período “pós pandemia” já começou!

Não parece adequado pensar em uma fronteira pontual e bem definida no tempo que marcará o antes e o depois da pandemia. Será amanhã? Em outubro? Depois da vacina?

Acredito que o período definido como pós pandemia deve perdurar, desde o hoje, com a reabertura gradual e responsável da economia e a retomada da vida coletiva das empresas, mesmo que sujeitos a possíveis retrocessos cíclicos, até os próximos tantos anos. E o futuro pós pandêmico será diferente, incorporando tecnologias, remodelando comportamentos e ajustando as culturas empresariais. Não se sabe ao certo o que será o “novo normal” nas organizações e nos projetos, mas ele, certamente, não repetirá o “antigo normal”.

Acredito que as perdas não serão (facilmente) perdoadas durante o período pós pandêmico, mesmo que elas impliquem em aprendizado!

Parece plausível prever que a retomada da economia será marcada pela contenção dos investimentos das empresas, afinal, com raras exceções, as pessoas, as empresas e os estados estão “quebrados”.

Essa retomada de investimentos deverá ser lenta e gradual na maior parte dos setores, implicando na menor quantidade de projetos acontecendo e no maior rigor das análises de viabilidade prévias à sua autorização. Não me parece admissível suportar perdas nesse momento. Os projetos autorizados devem entregar o que prometem!

Esse cenário tende a favorecer a adoção do Design Thinking na proposição de solução às oportunidades e aos problemas da organização, inoculando a empatia ao contexto do projeto e proporcionando maior precisão na escolha do investimento certo a ser realizado. Tende ainda a favorecer a adoção do gerenciamento dos projetos de modo a assegurar maior eficiência e eficácia à execução do investimento realizado. Fazer certo o projeto certo!

Não haverá projeto que prescinda do uso de uma ferramenta de BI (Business Intelligence)!  

Até pouco tempo atrás, as planilhas eletrônicas e os sistemas de programação de cronograma representavam o topo do uso da tecnologia no ambiente de gerenciamento dos projetos. Ambos recebiam atualizações digitadas, geralmente, à partir de apontamentos de campo anotados em papel e sujeitas à subjetividades, implicando na interpretação míope do desempenho dos projetos.

Atualmente, e com grande potencial de incorporação ao período pós pandêmico, residem novas tecnologias, capazes de automatizar de modo integrado toda a geração de dados de desempenho e sua comunicação adequada, sustentando a necessidade do aprimoramento da eficiência e da eficácia do projeto.

Já se sabe que tão importante quanto o gerenciamento do projeto em si é a gestão das informações do projeto, que precisam ser devidamente coletadas, tratadas e compartilhadas com os principais stakeholders de forma dinâmica, clara e objetiva. As ferramentas de BI (Business Intelligence) ocupam papel de destaque nessa seara, coletando e compilando os dados de desempenho e produzindo informações sobre o projeto em dashboards visuais e instantâneos, facilitando a tomada de decisões.

As novas tecnologias irão substituir o ser humano em grande parte do trabalho nos projetos!

Assim como as ferramentas de BI, tampouco haverá projetos que prescindam do uso de novas tecnologias disruptivas associadas à precisão da coleta e tratamento de dados e informações, visando a facilitação do gerenciamento e das tomadas de decisão.

Nessa linha, posso mencionar os Smartcontracts que certamente ganharão inúmeras aplicações operando sob as plataformas da Blockchain e sustentados por sistemas de modelagem visual e integrada, dispositivos móveis de laser scanning, sensores vestíveis inteligentes, aplicações da Internet das Coisas (IoT), inteligência artificial e de realidade virtual e aumentada, uso de drones, etc.

Sim, o ser humano ocupará um papel de destaque na concepção e na gestão do trabalho operacional que, certa e rapidamente, será substituído pela tecnologia cada vez mais acessível e barata!

O home office é uma tendência irreversível – não tem volta!

A experiência de home office durante a pandemia foi absolutamente conclusiva: não tem volta! Ainda que existam controvérsias, os argumentos prós tendem a suplantar os argumentos contrários.

Pelo lado pessoal, o aumento da qualidade de vida e da autonomia sobre as decisões de distribuição do seu próprio tempo e sua localização geográfica, se contrapõem às questões relacionadas à psique e ao comportamento, proporcionadas pelo sofrimento pessoal pela ausência do contato e da interação física. Pelo lado da organização, os argumentos relacionados à redução de despesas, custos e investimentos, proporcionados pela desimobilização do capital, podem ser contraditos pelos impositivo de mudanças nas culturas e nos estilos e instrumentos de gestão visando garantir a eficiência do trabalho. Já pelo lado da economia e da sociedade como um todo, menos poluição, menos ruído, menos trânsito etc., se contrapõem com as necessidades de mudanças radicais em segmentos de negócio que, até então, eram sustentados pela mobilidade das pessoas e pela rotina do trabalho presencial.

Parece então direto perceber que o home office tende a se instalar no ambiente dos projetos também, e que os integrantes das equipes terão que se adaptar ao trabalho coletivo remoto, e aprender a responder de forma disciplinada, responsável e eficiente ao trabalho que lhe for atribuído.

Ser ágil não só é pop, mas se tornará vital! 

Não há como negar a tendência de avanço da adoção de modelos de gestão baseados nos valores e princípios do Manifesto Ágil de fevereiro de 2001 e que encontraram um terreno fértil no ambiente empresarial cada vez mais VUCA (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo) e potencializado pelos efeitos da pandemia.

Tais modelos fizeram eclodir o conceito da “agilidade organizacional” associada à capacidade de promoção de mudanças e adaptação rápidas, visando a obtenção de vantagens competitivas. Essa nova visão de gestão extrapolou o ambiente delimitado e típico do gerenciamento de projetos e se ramificou em todas as áreas que compõem a administração empresarial, do planejamento estratégico à estruturação organizacional e do fluxo dos processos e à gestão dos recursos humanos.

A nova agilidade tende para o equilíbrio do (modelo) híbrido…

Entretanto, como se manter fiel aos princípios e valores do Manifesto Ágil, onde os erros são permitidos e, até mesmo, incentivados, em tempos de privação de recursos? Como manter relações pautadas pela confiança coletiva, pelo contato “olho no olho” e pela comunicação inclusiva, incluindo a comunicação não verbal, em tempos de home office? Como lidar com a autonomia, a liberdade, a responsabilidade e o comprometimento das equipes de projetos ágeis de modo distante e remoto? Aqui reside a minha aposta na flexibilização dos extremos do conflito “preditivo x ágil” em favor de uma guinada ao centro em prol das alternativas híbridas de gerenciamento de projetos.

A tendência reside no equilíbrio. Tentar e experimentar sim, mas sem perder o foco e/ou a nova direção do negócio e a viabilidade do projeto! Errar sim, mas manter o controle de modo a evitar o desperdício. Confiar, dar liberdade e autonomia sim, mas reconhecer a sintonia das decisões e das ações. Quebrar em partes sim, mas sem perder a visão do todo. Enfim, compor de modo equilibrado o ambiente dos projetos, seu modo de gerenciamento (tayloring), sua liderança, pessoas e ferramentas, visando proporcionar pragmatismo, eficiência e eficácia ao alcance dos objetivos do projeto.

Se a flexibilidade é o fundamento do híbrido, qualquer um que tente enquadrá-lo num framework estará a cargo do desserviço.

Apesar da crença no potencial do híbrido, preocupo-me com o surgimento, propício ao momento, de novos gurus e suas propostas mirabolantes de novos modelos rígidos que se autoproclamam híbridos, visando cobrir o vazio metodológico conceitual entre os extremos da dialética “preditivo x ágil”. O alerta é válido para quem entende que o gerenciamento dos projetos, mais que nunca, terá que ser adaptativo e situacional!

Colaboração multifuncional é top!

Quero abordar também a tendência de os projetos serem realizados em ambientes cada vez mais multifuncionais e colaborativos. Foi-se o tempo em que as pessoas trabalhavam fixas nos departamentos funcionais da organização, interagindo quase que exclusivamente com especialistas de uma única área, criando feudos e alimentando rivalidades e culturas próprias.

O ambiente dos projetos que está por vir, que sempre foi multifuncional em sua essência, implodirá as estruturas organizacionais verticalizadas rígidas e favorecerá modelos de estruturação mais dinâmicos e flexíveis (squads e suas concepções), concentrando nas equipes competências diversificadas que, atuando de forma complementar e colaborativa, serão mais capazes de resolver problemas, tomar decisões, inovar e intra empreender.

Ênfase nas competências humanas e na Inteligência emocional!

Outra tendência que já vem se confirmando e será potencializada no período pós pandêmico é a necessidade de os Atores de uma equipe de projeto desenvolverem competências humanas visando aprimorar relacionamentos individuais e estreitar relacionamentos com a equipe e com os demais stakeholders que gravitam ao redor do projeto.

Gerenciar projetos implica inevitavelmente em interagir com gente e com as relações humanas em sua essência. E as pessoas estão, irreversivelmente, mais propensas a assumir a sua individualidade dentro das equipes, exercendo um papel mais ativo e participativo na condução dos trabalhos.

Entretanto, as novas estruturas ágeis e colaborativas não tiram a humanidade das pessoas – os desejos, as ambições, a cobiça, a inveja, a preguiça … os sete pecados capitais continuam presente enquanto tratarmos com seres humanos.

E isso desafia os alicerces do ambiente supostamente perfeito, idealizado pela força da cocriação e gerenciamento coletivo e alinhado de projetos. Nesse cenário, provavelmente, a competência mais desejada de um profissional de projetos será a da Inteligência Emocional, através da qual ele conseguirá lidar com suas emoções, a dos demais e equilibrá-las com os limites da razão.

Uma equipe diversa é mais produtiva que uma equipe onde todos parecem ser iguais, agem e se comportam da mesma maneira. 

No período pós pandêmico, conjuntamente com a ascensão da individualidade e da personalidade, deve aflorar as diferenças entre as pessoas. Saber entender e respeitar as diferenças entre indivíduos que compõem uma equipe, sejam elas de qualquer natureza, será um dos pontos mais importantes do sucesso de um projeto.

A Liderança ideal para os projetos pós pandemia não dirige, serve!

Por fim, acredito que o papel do Gerente de Projetos, em sua acepção profissional e em qualquer que seja o modelo adotado na escala contínua “preditivo x ágil”, tenderá, cada vez mais, a se distanciar do viés de um orientador de ações operacionais, cobrador de desempenho segundo um plano pré estabelecido, e se aproximar de um papel mais comportamental e suportivo, que permite a voz, valoriza as ideias e contribuições dos integrantes da equipe, busca opiniões e proporciona um ambiente de confiança e respeito – em linha com a definição do Líder Servidor, de James Hunter.

Concluindo, se minha bola de cristal estiver, de certa forma, aferida e vier a se mostrar relativamente verdadeira, a quem compete experimentar esse novo ambiente? Obviamente, todos nós, profissionais do Gerenciamento de Projetos, devemos estar atentos às mudanças e nos prepararmos para os impactos delas decorrentes. O ambiente que tínhamos não será mais o mesmo, é fato! Sobreviverá quem melhor, e mais rápido, entendê-lo e conseguir se adaptar.

Por:

Alonso Mazini Soler, Doutor em Engenharia de Produção POLI/USP, Professor da Pós Graduação do INSPER, da FIA e da Plataforma LIT-Saint Paul. Sócio da J2DA Consultoria & Treinamento e da SCHÉDIO Engenharia Consultiva – alonso.soler@schedio.com.br

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